De olhos postos no chão
Afonso Loureiro
Aproveitei uma tarde soalheira para descer a Avenida da Liberdade com os olhos postos no chão. Da última vez que o fiz, as árvores perdiam as folhas em cascata e os cantoneiros da Câmara não conseguiam domar os montes de folhas castanhas e vermelhas que teimavam em juntar-se nos passeios.
Assinatura
Na altura, lembrei-me dos calceteiros anónimos que deixam uma marca muito pessoal na sua obra, alterando ligeiramente o desenho aprovado. É uma assinatura, talvez só reconhecida por uma mão-cheia de pessoas. São as pequenas marcas que passam despercebidas a quem se deslumbra com a floresta mas não perde tempo a observar as árvores.
Contrastes
Estas fugas ao padrão, quase uma rebeldia em surdina, da qual o mestre só se aperceberá depois da calçada bem batida e varrida, encontra-se quase sempre nos contrastes, na pedra branca no lugar da preta, no desenho ligeiramente alterado, não por falta de arte, mas por inspiração súbita.
Dedicação
Outras marcas, mais difíceis de encontrar, são as que demonstram um calceteiro mais preocupado com a perfeição do que a quantidade de calçada. Os padrões podem ser preenchidos de muitas formas. Se a velocidade de execução for essencial, apenas os limites de cada cor vêem as pedras talhadas com mais cuidado e o resto é feito com um padrão mais ou menos regular. Há calceteiros, no entanto, que perdem mais uns minutos para que até mesmo a mancha de cor revele dedicação.
Veleiro
Não consigo imaginar que um calceteiro que se dá ao trabalho de esculpir um pequeno veleiro com três pedrinhas não tenha orgulho da sua arte.
Um belo post sobre uma arte tão nossa e de mãos anónimas que o fazem com imenso orgulho. Um trabalho árduo e tenho pena que muitas cidades, as mesmas tenham sido levantadas e tudo destruído.
Parabéns pela tua sensibilidade e a do veleiro está imensamente gira!