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15  11 2011

Circo é ilusão

Grande parte da magia do maior espectáculo do mundo deve-se às pequenas ilusões com que os circos se revestem. São os malabaristas que falham sempre uma ou duas vezes o número mais difícil, são as lantejoulas que acentuam as curvas das partenaires dos ilusionistas e distraem o público, ou a tenda que nos faz esquecer estarmos quase ao ar livre.

Um espectáculo de circo não se resume à soma das partes. Pode estar recheado de números bons, mas há mais para além disso. Toda a atmosfera criada em torno da ocasião, o suspense, ajudam a equilibrar tudo.

A magia começa logo à entrada, quando se passa da noite escura para uma tenda iluminada. Muitas companhias já dispensavam a tenda, porque o tempo dos circos itinerantes já terminou e poderiam fazer os espectáculos em teatros ou outros complexos culturais, mas a lona pintada de azul, branco e vermelho, pregada ao chão e erguida em poucas horas é um chamariz muito forte. Uma tenda de circo não precisa de cartazes de apresentação.

Os artistas, apresentados de forma pomposa são todos de terras distantes, descendentes de gerações de intrépidos trapezistas sem rede, homens-bala e domadores de leões. É tudo inventado. A família de equilibristas russos Kasparov é, quase de certeza, a família Gaspar, originário de Rio Tinto ou Cucujães. O garboso ilusionista argentino é, fora da arena, o cobrador de bilhetes. O próprio homem forte, que dobra barras de ferro com as mãos nuas, segundo uma técnica aprendida em terras distantes, é quem crava as estacas que sustentam a tenda.

Os palhaços fazem outros números. Com a cara pintada e poucas palavras ninguém os reconhece como os trapezistas de há minutos. Mas assim que entramos na tenda, tudo isto nos parece verosímil. Cá fora não acreditamos que um pequeno circo de província com ar decrépito seja capaz de contratar as maiores estrelas do circo russo, mas lá dentro acreditamos piamente no falso sotaque, no bigode farfalhudo e barrete de pele de urso. Um rufar de tambores e tememos pela vida da trapezista, ou achamos que o elefante vai esmagar o domador. A contorcionista apanha uma flor com os pés atrás da cabeça e nem reparamos que quem lha entregou foi o malabarista, desta feita vestido de macacão.

Lisbona
O Chen actua em Lisboa há décadas

A tradição da ilusão antes do circo até aparece nos poucos cartazes que se afixam anunciando as companhias residentes. Há anos que apresentam o espectáculo em Lisboa, mas para dar um ar mais internacional, imprimem cartazes com versões estrangeiradas do nome da cidade. Ainda antes de vermos a tenda e ouvirmos a música através da lona, já acreditamos virem de longe. E o Rogério que nos indica os lugares é, e sempre será, o Grande Roger, famoso mentalista.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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