A utilidade dos Trânsitos
Afonso Loureiro
Uma figura muitas vezes criticada, odiada e comentada é o polícia de trânsito angolano. Por estes lados é Trânsito, apenas. É preciso usar a técnica das meias-palavras para sentir a angolanidade da coisa.
Os Trânsitos, de colete cor-de-laranja com letras brancas escrevendo TRANSITO e uma braçadeira vermelha com um grande T maiúsculo, distinguem-se à distância. São altivos e sabem que a sua palavra é lei.
Na maior parte das vezes, associamo-los a gasosas e outros pecadilhos. Há, no entanto, outros que são conhecidos pelas coreografias imaginativas que usam para coordenar o fluir do trânsito nos cruzamentos.
Comum à maioria dos polícias de trânsito do mundo, estes também atrapalham um bocado o normal funcionamento das coisas. Se numa estrada que não é habitual estar engarrafada, os carros se começam a apertar mais e andar devagar, é certo e sabido que na outra ponta está um Trânsito a agilizar.
Pouco movimento
Ora, aconteceu que a rua que dá acesso ao escritório foi cortada. Fazem isto regularmente, para cobrir alguns buracos. Geralmente fazem-no quando os carros começam a ter dificuldades em sair dos buracos mais fundos. Fecham a rua numa ponta, com um camião atravessado no cruzamento, e depois vão despejando entulho nas covas. Um cilindro compressor ajeita as pedras e a terra e os buracos desaparecem. Durante algumas horas, pelo menos. No dia seguinte está igual, ou pior, que na véspera.
À entrada da rua, junto ao camião, estavam dois Trânsitos. Abri o vidro e fiz-me de desentendido. Como podia eu chegar ao trabalho? O portão do complexo ficava a menos de 100 metros da esquina.
A solução que me deram era, no mínimo, engenhosa. Contornava o complexo pela única estrada aberta, na esquina seguinte voltava à direita, para um sentido proibido e depois repetia a façanha, subindo a rua cortada em contra-mão. Mais de um quilómetro para fazer menos de 100 metros. Pareceu-me excelente.
É só um pulinho
Como a única rua aberta é de via única e há trânsito nos dois sentidos, a progressão foi lenta, muito lenta.
Meia-hora depois, já na esquina seguinte, a tal em que tinha de virar à direita para um sentido proibido, estava outro polícia de colete laranja. Recusou terminantemente permitir-me fazer aquela manobra. Era sentido proibido, afinal de contas. Estava cheio de razão e arranjou-me uma alternativa simples e prática. Continuava na direcção em que estava e voltava três vezes à esquerda. Ía dar ao início da rua que queria, a tal que dá acesso ao complexo, mas que está cortada. Pedi-lhe outra sugestão. Podia seguir em frente e entrar pela outra ponta da avenida. Uma volta de oito quilómetros pelo Rocha Pinto, Samba e arredores.
Será que é aqui que se abastecem para reparar a rua?
Disse-lhe que já estava a seguir as indicações do seu colega, que me tinha dito que era ali que virava por causa do corte de estrada. O condutor do carro de trás tinha o mesmo destino que eu e, se não tinha ouvido as indicações do outro, pelo menos não se descoseu.
O Trânsito olhou para a rua e viu três filas de trânsito compacto onde só cabe uma. Deve ter maldito a vida. Mas resolveu cumprir a sua missão. Foi abrindo caminho à minha frente, cerca de 200 metros, para que se pudesse chegar ao final da rua cortada e entrar em contra-mão. Atrás de mim seguiam umas valentes dezenas de carros e carrinhas. A rua só é de sentido único naquele quarteirão e o atalho deu muito jeito. Os condutores que circulavam em sentido contrário reclamavam que a rua era de sentido único e o polícia explicava que era só por causa do corte de estrada. Fui avançando devagar na faixa reservada.
O sentido único que se fez em contra-mão
No fim do quarteirão agradeci-lhe por ter tomado uma boa decisão. O Agente B. Facilitou a vida a muita gente. Aqueles dez minutos pouparam horas de engarrafamento.
Voltei à direita, contornei as escavadoras e os cilindros e cheguei ao escritório. Demorei cerca de uma hora a dar a volta ao quarteirão. Outros colegas desistiram, deixaram o carro algures e vieram a pé.
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