Camões ataca outra vez
Afonso Loureiro
Num artigo anterior persegui Camões à distância de cinco séculos em busca de uma eventual inspiração telúrica para o monstro Adamastor. Pouco usei para além de algumas estrofes do próprio poema, de uma paráfrase da Odisseia de Homero e de um catálogo bastante incompleto de erupções históricas.
Encontrei mais do que julgava. Homero descreveu o Estreito de Messina e o vulcão de Stromboli (ou o próprio Etna) como dois monstros horrendos que ceifavam muitas vidas. Marcavam um ponto importantíssimo de toda a navegação ao longo da costa da actual Itália. Camões cria o Adamastor, que personifica o Cabo das Tormentas. Também ele ceifa vidas. Não tanto por ser um mostro irracional como Scila e Caribdis, mas por se sentir revoltado e injustiçado. Deseja vingança.
Comparar Adamastor com um vulcão é uma coisa, descobrir que vulcão poderá ter inspirado o poeta parecia-me muito mais difícil. A descrição da fúria com que o monstro atacava a água sugeria que o próprio Camões teria presenciado ou, pelo menos, ouvido relatos fidedignos de uma erupção violenta. Na altura, o meu candidato mais provável era o vulcão de Ternate.
Stromboli
No que toca à obra, toda esta investigação se resumiu à análise do Canto V. Não procurei mais indícios no resto da obra por achar não haver muitas oportunidades para mencionar vulcões. Enganei-me redondamente, mas só o descobri quando procurava outra coisa.
No Canto X, Camões descreve o mundo conhecido, no qual se inclui o céu. Camões descreve o céu como o sistema de esferas celestes ptolemaico, tal como se acreditava desde há muitos séculos. É provável que «Os Lusíadas» tenha sido concluído em meados da década de 1550. Quis a ironia do destino que Nicolau Copérnico publicasse a sua teoria heliocêntrica em 1543, que só no séc XVIII é que foi levada a sério. Camões fez uma excelente descrição do sistema que se acreditava verdadeiro à época.
Mas fez também uma excelente descrição das terras e mares conhecidos, com os costumes dos povos e produções mais importantes. A estrofe 132, no entanto, despertou-me a atenção por outra coisa. Camões descrevia o vulcão de Ternate. Sabia-o activo!
«Olha cá pelos mares do Oriente
As infinitas ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, co’o fervente
Cume, que lança as flamas ondeadas;
As árvores verás do cravo ardente,
Co’o sangue Português inda compradas:
Aqui há as áureas aves, que não decem
Naca a terra, e só mortas aparecem.»Os Lusíadas, Canto Décimo, estrofe 132 (descrição do vulcão de Ternate)
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