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2012
Depois de tantos sacrifícios que se afiguram ser em vão, os portugueses perguntam quando é que acaba a austeridade, mas o Governo, certamente por confundir austeridade com independência, limita-se a responder à pergunta que, segundo reza a lenda, fizeram a Agostinho Neto em Malange:
– Não se preocupem, a independência acaba daqui a nada. Já não temos moeda, hão-de escrever com sotaque brasileiro, a bandeira agora é azul com estrelas amarelas, quem manda é o FMI e este é o último 1º de Dezembro que gozam.
Já faltou mais para ser arraiada de vez
Como aquecimento, hasteou-se a bandeira de pernas-para-o-ar no 5 de Outubro. Qualquer dia nem se hasteia.
Há muitos anos, a jornalista Vera Lagoa depositava um ramo de flores no monumento aos Restauradores a cada 1º de Dezembro. Comemorava com mais dignidade a Independência e Restauração do que o Estado é capaz. Agora já não há independência para comemorar, pelo que se suprime o feriado e, qualquer dia, vende-se o monumento para pagar os juros.
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10
2012
De um e do outro lado do Atlântico, ainda há muitos rios que se atravessam de balsa. Em zonas remotas não faz grande sentido investir em pontes caras. Uma barcaça puxada a braços ou a motor liga ambas as margens com relativa rapidez.
Em Angola, atravessei várias vezes o Kwanza na jangada da Cabala. Ficava a algumas dezenas de quilómetros de Catete, e ligava a margem direita do rio ao santuário da Muxima. Em 2010 foi substituída por uma ponte milionária ainda mais imponente que a ponte da foz do Kwanza, na estrada para Benguela. A antiga jangada era um pontão flutuante com dois enormes motores de cada lado que impulsionavam outros tantos hélices, manobrados à vez pelos pilotos em igual número. Parecia um número arriscado, porque se se desentendessem, podiam fazer a barcaça andar ao círculos, desgovernada pelo rio abaixo.
Travessia do Kwanza
No Barreirinhas do Maranhão, para se atravessar o rio Preguiças e aceder ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses ou a qualquer uma das pequenas povoações da margem esquerda junto à foz é necessário atravessar de balsa. O esquema é mais ou menos o mesmo que em Angola. Um pontão flutuante, rampas de acesso enterradas na areia das margens e uma travessia de alguns minutos para cada lado. A principal diferença é que não há motores nesta embarcação. É empurrada de margem para margem por um pequeno barco de madeira, descrevendo uma hipérbole em cada viagem por causa da corrente.
A balsa carregada
É preciso muita perícia para manter a rota, mas experiência é coisa que não falta a estes marinheiros.
O rebocador que empurra
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10
2012
Há poucas décadas, o primeiro sinal de que o progesso tinha chegado a uma qualquer vilória de Portugal era um orgulhoso conjunto de semáforos. Terra sem semáforos era sinónimo de tempos medievos, com carros de bois e homens de chapéu. O progresso anunciava-se com luzes verdes, amarelas e vermelhas perto do largo da Câmara ou em frente à Junta de Freguesia. Grande parte deles era inútil, ou atrapalhava mais o trânsito do que as regras de prioridade que vinham substituir, mas eram um investimento absolutamente necessário para se ganhar as eleições seguintes – a civilização chegou à vila, já temos semáforos!
Hoje em dia, os semáforos estão ultrapassados. Qualquer lugarejo tem os seus, com controlo de velocidade por radar, apitos para os peões (mesmo que não haja passeios por perto) e já não representam a modernidade. O último grito são as rotundas. Uma rotunda, mesmo que mal encaixada na estrada antiga, permite sempre que se descerre uma placa comemorativa enaltecendo o Presidente da Câmara e ainda sobra espaço para lá por uma qualquer escultura de gosto duvidoso que se encomendou ao primo de alguém do partido. Uma rotunda é a verdadeira marca do progresso. Cada terra da era moderna almeja ter a sua.
Por ser moda, também qualquer lugar com mais de duas casas começa a ter mais rotundas por habitante que Viseu, famosa há largos anos pela sua indústria de rotundas e redondéis. Daqui a uns tempos terão de encontrar outra forma de marcar a chegada do progresso à cidade. Talvez venham aí rotundas com semáforos e portagens.
Já no Brasil, o primeiro sinal de que a civilização chegou às aldeias mais remotas é o modesto quebra-molas. Pode não haver electricidade, nem água potável, mas se lá chega um trilho onde passam mais do que motorizadas, os habitantes pedem ao prefeito que mostre trabalho e lá instale uma lomba alta. Se não houver cooperação da prefeitura, abate-se uma palmeira e deixa-se atravessada na estrada com uma pequena rampa de terra de cada lado. Faz o mesmo efeito e transporta instantaneamente a povoação do tempo dos jumentos à idade do motor de combustão interna.
Pare, chegou o progresso
Talvez o modesto quebra-molas pareça não servir para mais do que testar a paciência dos condutores ou criar oportunidades de negócio para os mecânicos especializados em travões e suspensões, mas diz-nos logo que aquela povoação é suficientemente importante para que forasteiros lá passem sem parar. Não é o fim da estrada, há locais ainda mais remotos, assim o promete a lomba. Como benefício adicional, os carros abrandam ao passar, o que faz a povoação parecer maior.
Mas neste jogo de querer mostrar que o progresso já chegou sob a forma de quebra-molas acaba por revelar que algumas aldeias são tão pequenas que se enquadram na categoria de povoados de um quebra-molas só.
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10
2012
As conversas ao final da refeição na cantina da faculdade costumam ser bastante variadas. Ainda por cima temos a sorte de trabalhar com gente de muitas partes do mundo e de receber visitas frequentes de investigadores estrangeiros. Tudo ajuda para se ter sempre temas novos de conversa e conhecer outras formas de encarar o mundo. Cada povo tem os seus hábitos e, por vezes, as coisas que tomamos por certas ou que são um pilar da nossa identidade podem chocar de frente com o que os outros julgam ser o mais acertado.
Há um tema que surge no final da primeira semana de todo o estrangeiro – os pacotinhos de açúcar. Aparentemente, o nosso grupo divide-se em três facções. A primeira, quase maioritária, não põe açúcar no café. A segunda usa menos de metade do pacote ou partilha-o entre duas ou três pessoas. E depois há sempre uma ovelha negra que despeja o pacotinho inteiro na chávena. Para os estrangeiros isto não passa de um aberrante desperdício. Se usamos tão poiuco açúcar, porque não temos pacotes mais pequenos, ou açucareiros como nos países civilizados onde o lobby das embalagens não tem tanto peso e a ASAE não se aborrece com os açucareiros comunitários.
É verdade que os pacotes podiam ser mais pequenos, mas quem usa um inteiro acabaria por fazer mais lixo ao abrir dois ou três, mas o certo é que acabamos por usar muito menos açúcar do que noutras partes do mundo. Lá nas terras do Nordeste brasileiro vimo-nos gregos para encontrar café que não estivesse já açucarado ao ponto de parecer xarope. E da única vez em que conseguimos um espresso digno desse nome, trazia mais pacotes de açúcar que chávenas e pires juntos.
Cinco pacotinhos de açúcar para dois cafés
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09
2012
É hora de ponta. Começa a ser difícil encontrar lugar para estacionar.
Os jegues, imagem de marca do Nordeste brasileiro