1
06
2012
No tempo em que os marcos das estradas ainda eram feitos de pedra, para durar, havia alguns sítios em que se achava não haver necessidade de mudar a sinalização todas as semanas, ou que necessitassem de um pouco mais de monumentalidade, até nos sinais de trânsito.
Na Biblioteca Nacional ainda há alguns sobreviventes. Entendeu-se que uma casa com o nome Nacional merecia mais que sinais metálicos que acabam por enferrujar e fizeram-nos de pedra. Um sinal de pedra no canteiro impõe alguma solenidade, o que é sempre bem-vindo quando se entra numa biblioteca.
Hoje, já muitos dos sinais ordinários que se equilbram na ponta de um varão invadiram o jardim. Lá das alturas envergonham os parentes de pedra, que parecem rastejar e apresentam um grafismo antiquado.
Mas há alguns que continuam a fazer tanto sentido, que hão-de resistir até que a crise obrigue a queimar a Biblioteca Nacional, ou a vender o recheio para a reciclagem. Já faltou mais.
Trânsito proibido a pesados
Os pesados estão proibidos de circular dentro do complexo da Biblioteca Nacional para não perturbarem os leitores com o ruído.
21
05
2012
As Berlengas são um dos melhores locais de mergulho em Portugal. A água é límpida e os peixes não se contam pelos dedos de uma mão, como é costume para os lados de Sesimbra. Como único inconveniente, só a temperatura da água, mas não é nada que faça dano se o fato for bom e se consiga suportar o primeiro choque.
Para a maioria dos visitantes, que apenas conhecem a Berlenga Grande, o seu farol e o forte de São João Baptista, o mergulho não lhes diz nada, mas se forem num dia bonito, em que a água ganha uma cor de esmeralda, são capazes de imaginar como será a vida subaquática.
Peniche, Berlengas, Estelas e Farilhões
É nesses dias bonitos que os passeios ao longo da costa a sul de Peniche são mais agradáveis. De um lado os terrenos do Jurássico, cheios de fósseis, que criam uma arribas às camadas. Do outro, o mar de uma cor impossível, com as Berlengas a rematar o horizonte. As ilhas, que ficam a quase dez milhas da costa, parecem estar ao alcance da mão, com uma deliciosa água tropical de permeio a convidar a umas braçadas.
Calcários, arenitos e areias
14
05
2012
Na década de 1930, o Automóvel Clube de Portugal espalhou por todo o país milhares de indicações toponímicas para que os condutores não se perdessem perdidos. De nada servem mapas de estradas sem pontos de referência.
Os nomes eram compostos por letras avulsas produzidas em série. Eram desenhadas com um efeito tridimensional, mas nem sempre eram colocadas com o lado certo para cima, em especial as simétricas, como os NN, os II e os OO. Por cima ficava um azulejo com as iniciais do ACP. Nalguns casos este azulejo foi mais tarde retirado.
Como eram colocados nas entradas de cada povoação servida por estrada acessível a automóveis, podem hoje dar-nos uma ideia do quanto cresceram as terras e por onde passavam as estradas mais importantes. São como anéis de crescimento das árvores. É curioso encontrá-los a duas ou três ruas de distância em vilas ou cidades que hoje contam com muitos milhares de habitantes. Marcam o centro histórico de terras sem história.
Tercena, como o “O” invertido e grafia anterior a 1930
Como muitas outras marcas do passado, vão desaparecendo aos poucos. Não são suficientemente velhos para merecerem atenção, mas vão despertando a cobiça de alguns, que os arrancam das paredes velhas.
11
05
2012
De vez em quando encontramos perdido por esses recantos de Portugal verdadeiros anacronismos que, pela lei das revoluções, deveriam ter sido saneados, quebrados ou escondidos. Estes foram apenas esquecidos.
Perto de Mafra, numa pequena povoação localizada no fim de uma estreita estrada e, portanto, a caminho de nenhures, há uma singela lápide que se enquadra nesta categoria.
Foi descerrada por ocasião da inauguração de uma nova fonte e lavadouro. Ostenta uma declaração de fidelidade ao regime de Salazar, na altura em que o General Humberto Delgado se candidatava à Presidência da República.
Com Fé em Deus e a doutrina de Salazar
Ainda mais curioso que esta prova de fidelidade ao regime, é a própria data inscrita. Foi precisamente na véspera, no dia 10 de Maio de 1958, que o General Humberto Delgado proferiu a famosa frase «Obviamente, demito-o!».
9
05
2012
Havia um convento no alto de um monte que tinha um burro. Certa vez, durante uma qualquer guerra, o exército quis confiscá-lo. As freiras argumentavam que o burro era essencial para o convento porque sem ele não tinham maneira de trazer coisas essenciais do sopé do monte. Eram todas muito velhas e o burro permitia aligeirar a carga. O oficial encarregue do confisco teve pena das freiras e deixou-lhes o burro.
A guerra continuou e, passados uns meses, voltou a ser exigido o confisco do burro das freiras. Os mesmos argumentos foram invocados de parte a parte. O burro era essencial para o esforço de guerra e sem o burro as freiras não podiam continuar a vida no seu convento. As freiras ganharam novamente.
Durante vários anos o Quartel-General foi pedindo o confisco do burro do convento, mas tal nunca aconteceu. Todos os oficiais ponderavam o valor do burro para a guerra e achavam que mais valia deixá-lo com as velhas freiras.
Até que a guerra acabou. Um dos oficiais que quis confiscar o burro acabou por perguntar às freiras porque era o animal não necessário para o convento, uma vez que elas consumiam apenas o que cultivavam na horta ou criavam no galinheiro. A Madre Superiora esclareceu de imediato que o burro era de extrema importância pois sem ele não havia maneira de ir ao vale buscar palha para o burro.
A máquina burocrática e legislativa de hoje é um pouco como o burro do convento. Existe para justificar a sua existência. Quando já está tudo regulamentado inventam-se novos regulamentos para alterar os antigos. Quem ganha a vida como legislador não pode um dia decidir que tudo está legislado. Se não há mais nada para legislar, legisle-se acerca da largura máxima permitida para as riscas amarelas das abelhas, legisle-se até ao ponto do bom-senso ser abolido e depois legisle-se para que ninguém o possa instituir outra vez. A burocracia existe para ir buscar mais burocracia ao fundo do vale para a burocracia comer.
Hoje em dia, quem quer abrir uma empresa, pedir uma licença para alguma coisa ou apenas perguntar se pode inspirar profundamente quando se espreguiça, atravessa um mar de regulamentos e requisitos que deixariam Kafka espantado. Licenças para isto, pedidos de vistoria para aquilo, taxas, taxas das taxas, impostos nas taxas e nas taxas das taxas, selos, carimbos e formulários on-line que se têm de mandar por correio registado. Tudo é contrário à lei a não ser que explicitamente permitido.
Nem sempre foi assim. Épocas houve em que o bom-senso reinava e se assumia que nada era contrário à lei excepto quando expressamente proibido ou causasse perturbação à ordem pública. A febre legislativa que tornou tudo tão complicado e burocrático veio estragar um esquema que durou milénios.
No Concelho de Loures, numa pequena povoação de seu nome Bolores, há um pequeno exemplo do sistema antigo, quase medieval, aplicado já no séc. XX. É a prova de que se pode viver sem o embrulho da burocracia.
Fonte de Bolores
O proprietário de um terreno quis aproveitar a água de uma nascente em terras públicas. Hoje seria impossível, o Estado, que não e pessoa de bem, preferiria selar a nascente a sequer pensar que alguém poderia usar a água sem taxas, licenças, coimas e inspecções. Na década de 1950, não era preciso tanto.
O aproveitamento foi permitido com algumas contrapartidas, dignas de constar num foral fernandino. O dono do terreno construiria, a custas suas, um chafariz para usufruto da população. Teria direito a canalizar para o seu terreno toda a água sobejante. Faz lembrar o regulamento do aqueduto de Évora, que contemplava o calibre máximo dos ramais. Nas caixas de saída do ramal era instalado um pequeno canudo de barro com a abertura permitida, que regulava o caudal. Toda a restante água continuava pelo aqueduto até chegar a Évora. Os proprietários trocavam a incerteza das suas captações por uma parte fixa do caudal do aqueduto, cendendo as suas nascentes ao canal principal.
Parceria Público-privada
Em Bolores, a fonte foi construída. O município fica com a obra feita, e o Sr. Francisco João pode usar a água que sobrar. É o que se chama uma parceria público-privada em que todos ganham, não daquelas modernas em que o Estado constrói o chafariz, paga a água ao dono do terreno e este ainda pode cobrar a quem dela beber.