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2011
Os programas de televisão americanos que retratam a actuação das forças de segurança, sejam elas polícia ou corpos de intervenção, mostram sempre intervenções desproporcionadas em termos de brutalidade e aparato. O bom polícia tem a mão pesada e acha que só se perdem as que caem no chão. O bom polícia nunca faz operações discretas – entra para partir tudo e, de preferência, com muito aparato.
Infelizmente, esta mentalidade está contagiar a polícia portuguesa. Uma operação STOP já não se limita a um ou dois polícias na berma da estrada a "pentear" o trânsito. Agora tem esses dois polícias com as braçadeiras vermelhas a pedir documentos e mais uma vintena de caçadeira em riste junto das carrinhas do corpo de intervenção.
Esta demonstração de força pode fazer bem ao ego da corporação, mas dá a impressão de que se vive num clima de insegurança tremendo. Nem em Luanda, cidade famosa pela sua insegurança, vi este aparato em situações normais. As vezes que a guarda presidencial saía à rua não contam.
Não me custa mostrar os documentos do carro. Controlos deste tipo, infelizmente são necessários, mas já não me sinto tão confortável quando tenho de o fazer com uns marmanjos a segurar uma caçadeira apontada na minha direcção. Já que mais não seja, deixa-me desconfiado das intenções de todos os outros condutores. Afinal de contas, se as caçadeiras são necessárias, deve ser por bom motivo.
Mostrar força desproporcionada gera insegurança. Gera medo de sair à rua. Gera instabilidade e ânimos exaltados de quem não é, mas é tratado como criminoso. Já dizia António Aleixo:
Sei que pareço um ladrão,
Mas há muitos que eu conheço
Que, sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.
Não precisamos de polícia americana, bruta e irresponsável. Precisamos de polícia que saiba transmitir segurança.
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2011
Sempre que leio colunas de opinião a reclamar da falta de limpeza das sarjetas que causa inundações nas primeiras chuvas do ano, não resisto a comparar com as notícias de igual teor que lia em Luanda. De facto, trocar o nome das cidades é o suficiente para que as notícias se adaptem a cada uma.
A última chuvada na zona mostrou outro fenómeno para além das sarjetas entupidas. Mostrou que a impermeabilização dos terrenos e o corte das linhas de água naturais só causa desgraças. Mas não é presenciando as inundações nos dias de chuva que se aprende. É pensando como evitar inundações mesmo com sarjetas entupidas.
Como exemplo desta falta de visão, posso citar o estudo de impacto ambiental da nova expansão urbanística de Massamá, que inclui um parágrafo acerca do corte de uma linha de água. Parafraseando de memória é algo como «a linha de água mais importante é a ribeira do Serrado da Bica, que só tem caudal no Inverno, por isso não há problema em ser cortada». Curiosamente, esta linha de água começa na cota do lençol freático que alimenta a fonte de Rocanes, umas centenas de metros mais a oeste. E no Inverno comporta-se como uma exsurgência. Não é preciso pensar muito para descobrir a falha de raciocínio.
Para além de se esquecerem de que a água não corre só à superfície, depois de lá construírem os próximos prédios, para onde vai a água que costumava lá correr no inverno? Talvez se junte à restante que corre pelas ruas porque se construíram paredões em volta das ribeiras para que a água não saia – mas também não entre.
17
11
2011
Depois de dois anos de quase imobilidade à chuva e ao Sol, o Nissan voltou à estrada para tirar as teias de aranha e eu poder matar saudades de o conduzir. Vou poder deixar de dizer que no ano anterior gastou só um depósito de gasóleo, mas os carros estragam-se mais parados do que a andar.
200’000 km
Para além disso, estreei o terceiro algarismo das centenas de milhas de quilómetros. Com 200’000 km rodados, percorreu uma distância equivalente a cinco voltas à Terra. É sempre um marco interessante.
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2011
Muitas teorias têm sido usadas para explicar o como e o porquê da debilidade económica do país, mas pouco mais há que fazer para além de ver a taxa de desemprego a crescer e o número de habitantes estável.
Somos cerca de dez milhões desde há três décadas. A baixa natalidade é apenas compensada pelo saldo migratório. A taxa de desemprego tem vindo a subir desde que se aceitou a substituição da agricultura por subsídios, desde que, em vez de modernizar, se dizimou a frota pesqueira para vender quotas de pesca, desde que se fez os possíveis e impossíveis para acabar com a indústria nacional, como a preferência por comboios de alumínio, importados de Itália, em vez de comboios de aço, feitos cá sob licença ou equipar a GNR com veículos todo-o-terreno importados quando a UMM nacional o tinha já feito anteriormente – e muitos destes ainda recentemente estavam ao serviço.
Fábrica fechada
É verdade que muitos empresários portugueses não sabem avaliar a situação geral e concentram-se apenas no seu nicho, na garantia do seu rendimento, mas muitas opções políticas foram tomadas para fomentar este clima, premiando o empresário chico-esperto e punindo os verdadeiros empreendedores. O que parece um contra-senso, uma vez que os últimos governos têm seguido uma ortodoxia neo-liberal.
Deixar de produzir a troco do mesmo rendimento não é assim tão linear. O saldo contabilístico pode ser o mesmo, mas o número de gente empregada não é. E sem emprego, nem sequer se arrecadam impostos convenientemente.
Se a população não aumenta, não se pode continuar a assobiar para o lado à medida que o desemprego sobe. Esse é o sinal de que a economia está a morrer, a sangrar lentamente. Apesar de haver uns quantos malandros que gostam de ficar ao alto, a grande maioria dos desempregados o que quer mesmo é trabalhar.
15
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2011
Grande parte da magia do maior espectáculo do mundo deve-se às pequenas ilusões com que os circos se revestem. São os malabaristas que falham sempre uma ou duas vezes o número mais difícil, são as lantejoulas que acentuam as curvas das partenaires dos ilusionistas e distraem o público, ou a tenda que nos faz esquecer estarmos quase ao ar livre.
Um espectáculo de circo não se resume à soma das partes. Pode estar recheado de números bons, mas há mais para além disso. Toda a atmosfera criada em torno da ocasião, o suspense, ajudam a equilibrar tudo.
A magia começa logo à entrada, quando se passa da noite escura para uma tenda iluminada. Muitas companhias já dispensavam a tenda, porque o tempo dos circos itinerantes já terminou e poderiam fazer os espectáculos em teatros ou outros complexos culturais, mas a lona pintada de azul, branco e vermelho, pregada ao chão e erguida em poucas horas é um chamariz muito forte. Uma tenda de circo não precisa de cartazes de apresentação.
Os artistas, apresentados de forma pomposa são todos de terras distantes, descendentes de gerações de intrépidos trapezistas sem rede, homens-bala e domadores de leões. É tudo inventado. A família de equilibristas russos Kasparov é, quase de certeza, a família Gaspar, originário de Rio Tinto ou Cucujães. O garboso ilusionista argentino é, fora da arena, o cobrador de bilhetes. O próprio homem forte, que dobra barras de ferro com as mãos nuas, segundo uma técnica aprendida em terras distantes, é quem crava as estacas que sustentam a tenda.
Os palhaços fazem outros números. Com a cara pintada e poucas palavras ninguém os reconhece como os trapezistas de há minutos. Mas assim que entramos na tenda, tudo isto nos parece verosímil. Cá fora não acreditamos que um pequeno circo de província com ar decrépito seja capaz de contratar as maiores estrelas do circo russo, mas lá dentro acreditamos piamente no falso sotaque, no bigode farfalhudo e barrete de pele de urso. Um rufar de tambores e tememos pela vida da trapezista, ou achamos que o elefante vai esmagar o domador. A contorcionista apanha uma flor com os pés atrás da cabeça e nem reparamos que quem lha entregou foi o malabarista, desta feita vestido de macacão.
O Chen actua em Lisboa há décadas
A tradição da ilusão antes do circo até aparece nos poucos cartazes que se afixam anunciando as companhias residentes. Há anos que apresentam o espectáculo em Lisboa, mas para dar um ar mais internacional, imprimem cartazes com versões estrangeiradas do nome da cidade. Ainda antes de vermos a tenda e ouvirmos a música através da lona, já acreditamos virem de longe. E o Rogério que nos indica os lugares é, e sempre será, o Grande Roger, famoso mentalista.