Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

14  01 2012

Traga as páginas amarelas de Lisboa e duas listas de Mirandela

Graças ao cumprimento obrigatório das normas europeias, mas também um pouco para fazer figura, grande parte dos restaurantes tem por lá escondidas umas cadeiras mais altas ou de encaixar nas mesas para as crianças dos clientes. É inovação recente, pois não foi assim há tanto tempo que ainda se via o empregado a atravessar a sala com duas ou três listas telefónicas debaixo do braço para acomodar os petizes.

A idade das crianças classificava-se segundo uma escala decrescente de listas telefónicas. Aos três anos viam o assento da cadeira subir à custa das páginas amarelas de Lisboa e duas listas da Linha de Sintra. No ano seguinte, as duas da Linha de Sintra bastavam e, aos seis anitos, talvez se compusesse a cadeira com uma singela lista de assinantes de Beja.

Novamente graças às normas europeias e também para fazer figura, já nem as castanhas se vendem embrulhadas na página dos canalizadores das páginas amarelas de há dois anos. Parece que não é higiénico ter a tinta em contacto com a casca da castanha, a tal parte que não se come. Embrulho de castanha assada, tal como assento de criança, agora só com o carimbo CE.

Mas mesmo que se quisesse fechar os olhos a tanta norma, agora já é tarde para ressuscitar o hábito de reciclar as listas telefónicas como papel de embrulho ou assento de crianças nas cadeiras do restaurante. Cada vez menos gente tem telefone em casa, e os anunciantes têm fugido das páginas amarelas para meios com melhor retorno.

A ideia que temos das listas telefónicas de formato enciclopédico está cada vez mais longe da realidade. Durante anos foram encolhendo. Depois passaram a ter de um lado a lista de assinantes e do outro as páginas amarelas. A redução continuou e foi de tal forma, que hoje parecem pequenas revistas impressas em mau papel fugidas de algum quiosque.

Lista telefónica encolhida
Embrulha quatro dúzias de castanhas

Agora, se faltarem as cadeiras de criança, já nem as listas são solução de recurso.


10  01 2012

Culotes em acordita

Num passeio pelo jardim mais próximo, deparei-me com uma etiqueta arrastada pelo vento, saltitando como que a imitar os pardais. Era da confecção chinesa que tanta indignação gerou há uns anos, mas desconheço de que peça de vestuário. O código atrás só dizia ser um artigo XH-004# em linho, algodão ou dacron – fibras aparentemente intermutáveis para esta peça com um nome tão específico.

Na parte da frente, Wen Ni, um nome que nada nos diz. As ferramentas de tradução automática de chinês disponíveis sugerem que uma possível tradução, de entre várias dezenas, seja “Pergunta-te”. É apropriado, especialmente depois de ler a segunda parte da etiqueta.

Etiqueta
Clothes ou culotes?

Fico na dúvida se Colothes é o inglês clothes gralhado ou grafado demasiado foneticamente ou se a etiqueta diz respeito a um par de culotes em português acordita.


01 2012

Auto-destruição

Há muitos anos, não sei bem quantos, comprei um telefone um pouco mais apropriado para o trabalho de campo. Na altura eram quase todos delicados como os modernos, e avariavam-se se houvesse boatos de chuva na cidade vizinha ou se fossem enfiados no bolso com menos cuidados que os merecidos por um diamante valioso. A grande diferença para os de hoje é que só faziam chamadas e mostravam mensagens 20 caracteres de cada vez.

Na altura anunciavam-se telefones topo de gama, caríssimos, que até tinham uma máquina fotográfica miserável acoplada. Ninguém conseguia perceber exactamente para que serviria, mas todos ficavam boquiabertos com as imagens que capturavam. E que más imagens eram.

Dizia eu que comprei um telefone novo. Era robusto. Resistia a quedas maiores e até andava à chuva com uma certa confiança. Foi usado e abusado por muitos anos e só passou à reforma quando se tornou arcaico e limitado.

No entanto, quando fui à Tunísia, o ar robusto mas transportável do pequeno Nokia 5550 mostrou ser cativante para muita gente. Em Douz, conhecida cidade no meio do deserto onde os turistas vão dar uma voltinha de dromedário como se num carrossel, houve até um vendedor de rosas do deserto que mo quis comprar. Veio a regatear comigo uma centena de metros, carregando um pesadíssimo balde cheio de cristais de gesso e oferecendo mais do que o telefone me tinha custado novo. Devo ter sido parvo, mas preferi ficar com o telefone.

A propósito de Douz, a cidade que já foi a porta do deserto e o primeiro indício de água fresca depois de atravessar o imenso lago salgado de Chött-el-Jerid, é também o local onde se assiste ao mais estranho espectáculo de todos. Muitos dos que vão passear de dromedário podem optar por alugar uma jelaba, uma espécie de roupão leve com capuz que cobre uma pessoa da cabeça aos pés e muito confortável em climas quentes, ou um turbante para proteger a cabeça do Sol. Algumas pessoas torcem o nariz à jelaba – «Sabe-se lá quem é que já vestiu isso!», mas depois sorriem e agradecem que lhes ajeitem o turbante alugado. Estranhamente, vestem a jelaba por cima da roupa, mas o turbante vai-lhes absorver o suor da cabeça, tal como já o tinha feito a dezenas de pessoas antes. Não percebo porque razão o turbante lhes faz menos confusão.

Mas voltando ao telefone. Apesar de já estar na reforma, foi comigo para Angola. Poderia haver necessidade de o usar. Como a bateria, mesmo velha, durava mais de uma semana, foi o telefone de emergência sempre que não podia carregar o outro. O resto do tempo, passava-o na minha mesinha de cabeceira, à espera de serventia.

Ora acontece que lá na Mutamba era costume aparecerem-nos um ou dois ratos por mês. Às vezes mais, outras vezes menos. Depressa descobrimos que durante o dia exploravam a casa toda, deixando marcas aqui e ali. A que mais me irritou foi a de apreciarem a borracha macia da protecção exterior do telefone à prova de tudo. Rataram-no bem ratado. O telefone passou a ostentar três fundas cicatrizes que comprovam a visita a Luanda.

Telefone ratado
Com as cicatrizes de Luanda

Regressei, e voltou à gaveta. Até ao dia em que fosse preciso. Ao contrário de outros, nunca deixou de funcionar. Voltou ao trabalho durante uma reparação ao telefone novo, um daqueles com mais uma tonelada de mariquices, incluíndo um autoclismo de água morna e mesa de matraquilhos, mas frágil e delicado.

Por ser tão robusto, achei que estaria pronto para uma ou duas semanas de uso. O que não contei foi com a protecção de borracha ter ressequido de tal forma que todos os botões se desfazem assim que lhes toco. Talvez a Nokia lhe tenha incluído um prazo de validade findo o qual o telefone se desintegra lentamente. Infelizmente para eles, é só a capa que sofre desse mal e a electrónica continua perfeita. Devia-o ter vendido ao tunisino.

Telefone em auto-destruição
Agora caem-lhe os botões


01 2012

Próximo passo: instalar o gerador

Nas últimas semanas tenho-me convencido que os caluanda é que estão cheios de razão. Um depósito de alguns milhares de litros em casa faz todo o sentido e quaisquer incómodos que gere são muito mais facilmente suportáveis do que não ter água.

Desde que começaram as obras no final da rua que as faltas de água têm sido constantes. Na mesma semana há duas e três roturas que implicam cortes de várias horas e os dias seguintes a baixa pressão.

Fico com a impressão de que a retro-escavadora que está no estaleiro serve exclusivamente para prospecção de águas e suspeito seriamente que a lança seja controlada por um vedor experiente munido de uma vara de salgueiro bifurcada. «Aqui há água. Podes cavar! Olha, afinal era outro cano. Vamos tentar ali à frente.»

Durante uns dias temi pela conduta de gás, mas apanharam primeiro a tela de aviso e salvou-se. Ou se calhar a varinha não reage ao gás natural.

Entre a semana anterior ao Natal e o início do ano a obra parou. A água não faltou e estávamos convencidos que já tinham terminado as obras na rede de esgotos. Afinal estavam de férias e arranjaram maneira de nos cortar a água logo pela manhã. Querer lavar os dentes e não ter água faz-me sentir umas certas saudades dos depósitos azuis cheios de lama (e outras coisas que nem queremos saber). Onde poderia instalar um?

Pelo andar da carruagem, qualquer dia olho pela janela e vejo coisas como o prédio do Kinaxixi, com janelas de cada tamanho, dezenas de tubos de esgoto a descer pela fachada e outras tantas dezenas de cabos eléctricos de puxadas ilegais a fazer o percurso oposto. Se as obras continuarem por mais uns meses, temos todos de pensar seriamente no gerador e começar a pedir orçamentos para desviar os esgotos para as fachadas.

Bairro Jamaica, no Seixal
Bairro Jamaica

Para os vizinhos que não sabem o que os espera, mando-os não a Luanda, que é longe, mas ao Seixal, logo na outra margem do Tejo. Por lá há uns quantos edifícios nesse estado. Parecem o que são, guetos verticais. É o bairro Jamaica, que só aparece nas notícias pelas piores razões.

 


31  12 2011

Com o facetube, o telefone descansa

Há uns anos era habitual enviar postais de Natal aos mais chegados. O costume foi-se perdendo e rapidamente foi substituído pelas um bocadinho impessoais mensagens escritas enviadas para todos os contactos da agenda. Todos os anos se recebia umas quantas duplicadas, a maioria de pessoas que não fazíamos ideia de quem eram.

Alguns esqueciam-se de assinar, outros assinavam com um diminutivo reservado à família mais próxima. Ainda há quem se questione acerca da identidade da «Lotinha» que enviou uma mensagem toda bonita com desenhos de renas e embrulhos mas se esqueceu de incluir um apelido.

No Ano Novo a cena repete-se, e as próprias operadoras móveis reforçam a capacidade de transmissão de mensagens nestas semanas de festa. Desde o princípio do século que há uma estranha competição entre as principais operadoras para saber quem tem mais clientes a enviar mensagens de Boas Festas, ou seja, mais bons clientes que gastam uns quantos euros de uma só vez a mandar felicitações a quem não liga há anos.

Este ano, não sei se por causa de crise anunciada pelos jornais e televisões ou se porque já começa a faltar dinheiro para pagar as contas de telefone, o número de mensagens de Boas Festas caíu a pique. De Natal devo ter recebido meia-dúzia.

Descobri agora que essa febre já passou e agora se enviam as Boas Festas via facetube, recheadas de polegarzinhos azuis e bitaites de conhecidos que foram promovidos a amigos.

Assim o telefone descansa. Porreiro!


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